Boa Noite
Boa noite, Maria ! Eu vou-me embora,
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa noite, Maria ! É tarde . . . é tarde . . .
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa noite ! . . . E tu dizes: - Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos . . .
Mas não mo digas descobrindo o peito,
Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu ! Ouve . . . a calhandra
Já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti ? . . . pois foi mentira . . .
. . . Quem cantou foi teu hálito, divina !
Se a estrela d’alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d’alvorada:
“É noite ainda em teu cabelo preto . . .”
É noite ainda ! Brilha na cambraia
Desmanchado o roupão, a espádua nua –
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua . . .
É noite, pois ! Durmamos, Julieta !
Recende a alcova ao trescalar das flores.
Fechemos sobre nós estas cortinas . . .
São as asas do arcanjo dos amores.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos . . .
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor ! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros bebo atento !
Ai ! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora . . .
Marion ! . . . Marion ! . . . É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora ?! . . .
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo . . .
E deixa-me dormir balbuciando:
Boa noite ! – formosa Consuelo ! . . .
São Paulo, 27 de agosto de 1868
Autor: Castro Alves
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